sexta-feira, 26 de outubro de 2007

SÃO PAULO BY DAY

Atendendo a diversos pedidos, segue abaixo a reprodução - sem cortes - do texto publicado no blog Multicultural Paulista. Divirta-se!
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Era sábado de tarde, e apesar de toda a sorte de coisas pra se fazer numa metrópole como São Paulo, um tédio sem tamanho dominou-me de tal forma que eu simplesmente não fui capaz de fazer outra coisa senão ficar jogado sobre a cama e olhando para a televisão, apesar do sol que fazia lá fora e de toda a sorte de lugares ainda a desbravar e de pessoas a - quem sabe - conhecer.
Jogado em meu quarto, eu cochilava, acordava, mudava de posição, depois cochilava novamente, acordava, mudava o canal da televisão e parecia que nada acontecia. O telefone não tocava, o vento não soprava, as moscas não voavam, acho até que o mundo não girava. Ao mesmo tempo eu não tinha forças pra fazer qualquer coisa acontecer... então estava ótimo daquele jeito!
Aí, entre um cochilo e um despertar, percebi que começava na TV Cultura um episódio do seriado “Anos Incríveis”. Obviamente era mais uma das mil reprises que tal emissora fazia daquele seriado, mas como sempre acontecia, eu acabava assistindo, pois simplesmente adorava aquele programa, talvez pelo fato dele me transportar para os MEUS anos incríveis, mas principalmente porque eu torcia pra cacete pra que o Kevin Arnold e a Winnie Cooper terminassem juntos. Seria a minha forma de desforra, a minha pequena e enfadonha forma de vingança por não ter conseguido que meus anos incríveis fossem realmente tão incríveis como eu gostaria que tivessem sido.
Com o desenrolar do programa fui me dando conta de que eu não me lembrava daquele episódio, fato que me fez prestar ainda mais atenção na trama. Os dois protagonistas estavam mais velhos, acho que já perto dos 18 anos. Como sempre, ambos se desentenderam, brigaram e cada um foi pro seu lado. Kevin resolveu fugir e caiu na estrada, a pé. Entretanto, ao pedir carona a um carro que passava, quem estava lá dentro? Sim, a Winnie! Ela também fugira e pegara carona. Era o destino agindo a favor deles! Bem, foda-se! Não vou ficar aqui contando todos os detalhes do episódio e vou pular direto para o que interessa. Eles por fim se entenderam depois de uma longa conversa e voltaram juntos para suas casas. Então o “Kevin velho” que sempre narrava ao fundo os acontecimentos, começou a contar o que acontecera com cada um dos personagens depois de tudo isso, e então eu me dei conta que aquele era o último episódio da série. Puta que o pariu! O último! Que sorte a minha! Nunca havia assistido àquele episódio, e por fim teria minha tarde de tédio recompensada ao saber que Winnie e Kevin ficaram juntos e viveram felizes para sempre!
Que!? Como é que é? Não ficaram juntos? Que porra é essa? Ah, mas você deve estar de brincadeira comigo! NÃO FICARAM JUNTOS?
Pois é, eles não ficaram juntos no final. Meu mundo caiu novamente. Parecia que eu tinha tomado a mesma tijolada no meio da testa, como a talvez uns 22 anos atrás! Peguei-me sentado na cama, olhando os créditos do programa subindo pela tela, enquanto uma lágrima escorria do meu olho. Lembrei-me de tantas coisas naqueles últimos segundos, e por fim caiu a ficha de que a vida é assim mesmo, e que até num programa de televisão a vida é capaz de ser ela mesma, simples, as vezes injusta, meio fora de foco, nem sempre seguindo o caminho que achamos que ela deveria seguir, e sabe-se lá Deus aonde é que a gente vai parar no fim disso tudo.
E se você achava que meu sábado estava ruim, nem faz idéia de como ele ficou depois que o programa acabou. Foram dois cigarros na seqüência, debruçado na janela e olhando para o nada, só pra me acalmar. Aí fui pra cozinha tomar água e comer alguma bobagem. As lembranças da minha infância e adolescência não paravam de vir à tona. Eu também perdera um amor de infância, e anos depois foi a vez do meu pai partir dessa pra melhor. Será que acontecia com todo mundo? Sim, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, a resposta era sim.
E aí a porra da minha memória começou a trabalhar furiosamente, rebuscando sons e imagens do fundo do baú, e como se não bastasse, eu resolvi dar uma mãozinha ao meu cérebro, e fui atrás dos álbuns de fotografia. E lá estava eu, congelado no tempo em papéis amarelados, ora bebê, ora moleque, ora adolescente, ora adulto. Roupas esquisitas, cabelo esquisito, gente que eu quase nem mais lembrava quem era, e por fim, ELA! Meu Deus do céu! Como ela estava linda naquela foto! Olhando aquela foto mesmo depois de todos esses anos, eu novamente tive a certeza de que ela era a menina mais linda que eu já havia visto. Comecei a lembrar dos passeios que fazíamos juntos, dos restaurantes aonde nossos pais nos levavam, das brincadeiras, das brigas infantis, e do esforço que eu fazia para ter a atenção dela – nem sempre recompensado. Lembrei-me também de uma ocasião muito especial pra mim, de quando estávamos num parque, num brinquedo parecido com um balanço, mas que cabiam duas crianças, sendo uma na frente e outra atrás, porém sem nada que as dividissem. Lembro-me que estávamos ela e eu nesse brinquedo, e que de repente, sem aviso, ela passou seus braços pelo meu abdômen, abraçando-me, e encostou sua cabeça em meu ombro, e ali ficou, e assim ficamos. Puta que pariu! Se eu pudesse congelar o tempo, eu estaria ali até agora, naquela mesma posição, daquele mesmo jeito! Senti um nó na garganta, e uma vontade louca de chorar... mas não o fiz. Fiquei apenas segurando a mesma foto, ainda, e pus-me a pensar como é que teria sido se nós tivéssemos namorado, casado, e quem sabe até tido filhos. Claro, os “se” não contam, assim como os “quase”, afinal de contas – como diria um amigo meu, “se” minha avó tivesse pinto, ela seria meu avô! Ou “se” minha avó tivesse quatro tetas, ela seria uma vaca! Mas não importa, afinal de contas nós ainda não pagamos pra sonhar, seja lá o que for!
Algo gostoso de se sentir começava a correr nas pelas minhas veias! Decidi que seria muito legal tentar saber sobre ela, sobre como andava a vida dela, mesmo correndo o risco de acabar descobrindo o que eu não queria (porra, eu não posso ter perdido meu primeiro amor pr’um bosta qualquer), e então comecei a pensar em como encontrá-la. Eu sabia que ela havia se mudado com a família pro interior, e isso já fazia um bocado de tempo, mas os contatos entre as famílias foram se perdendo por conta da distância, e hoje eu não tinha quaisquer pistas que pudessem me levar até aquela menina maravilhosa de olhos jaboticaba e cabelos negros como a noite, cujo sorriso descobri que ainda me fazia perder a fala.
Acontece que esses são os incríveis anos 2000! Centenas de satélites de espionagem orbitam ao redor da Terra, câmeras filmam as pessoas nas ruas, e a Internet tem todo o tipo de informação que uma pessoa possa desejar conseguir. E assim, munido de nome e sobrenome, mais a cidade pra onde ela havia se mudado, lá fui eu atrás do seu paradeiro! Senti-me como um Bandeirante em busca do El Dorado, enquanto fuçava e esmiuçava as informações que me iam chegando na tela do PC. Fazia conexões, tentava obter ligações que fizessem algum sentido lógico, e por fim pistas palpáveis começaram a surgir. Eu era só excitação, diante da possibilidade de talvez poder encontrá-la, ouvir sua voz, ter alguma notícia. Então, após algumas horas de pesquisa e algumas conexões estabelecidas, achei sua página pessoal naquela porra de Orkut. E havia fotos dela! Meu Deus, ela continuava linda! E havia um perfil: idade, ocupação, blábláblá, blábláblá, SOLTEIRA! Puta que o pariu! Finalmente os deuses olhavam pra mim de forma generosa! Havia achado meu El Dorado! Até o endereço do e-mail estava ali. Era tudo o que eu precisava!
Abri o processador de textos e comecei a digitar furiosamente, descrevendo todos os meus sentimentos, anseios e ilusões, todas as lembranças que eu tinha dela... o rosto, os cabelos, os olhos, o sorriso, e inclusive sobre tudo aquilo que eu imaginei durante estes anos todos, sobre como poderia ter sido se tivéssemos tido uma vida em comum, e que ainda houvesse tempo para tal, claro, se talvez ela também tivesse sentimentos semelhantes aos meus. Após encher três folhas com desejos e possibilidades, me dei por satisfeito! Corrigi ortografia, tirei os excessos, ajustei fonte, parágrafo e tamanho da página, depois transferi tudo pro e-mail.
Porém, meu dedo vacilou na hora de apertar “enviar”. Inegável que ela era e continuava linda, isso é indiscutível. Mas ela poderia não corresponder àquela áurea toda que pintei acerca da pessoa dela, e é claro, eu também poderia desapontá-la. Simplesmente bateu um medo que eu nunca havia sentido antes... um medo de que esse sentimento tão puro e belo viesse a se perder. Ela até poderia entender o significado daquela mensagem e, quem sabe, ter sentimentos semelhantes aos meus, e com muita sorte querer compartilhar duma vida em comum. É, seria ótimo! Mas, e se no decorrer desta vida, algo qualquer mais forte que nós viesse a acabar com esta coisa tão bela, tão pura... como ficaríamos? Pra quê colocar em risco este amor, e talvez até transformá-lo em ódio? Não seria melhor deixar quieto?
Apaguei da tela a mensagem destinada à mulher que sempre nunca foi minha, desliguei o computador e por fim saí de casa rumo ao boteco mais próximo, pois assim como minhas ilusões, meu maço de cigarros também estava acabando.

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